EM INDAIATUBA

MP prende policiais acusados de extorsão a empresários

Organização criminosa era composta por um delegado, dois investigadores, um escrivão e dois GMs

Alenita Ramirez/ [email protected]
27/03/2024 às 09:12.
Atualizado em 27/03/2024 às 09:12
Gaeco contou com o apoio do 1º Batalhão de Ações Especiais da PM (Alessandro Torres)

Gaeco contou com o apoio do 1º Batalhão de Ações Especiais da PM (Alessandro Torres)

Uma operação conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), teve como alvo um delegado, dois investigadores, um escrivão e dois guardas municipais de Indaiatuba na manhã de terça-feira (26). O objetivo era desmantelar uma organização criminosa responsável pela fabricação de boletins de ocorrência falsos, utilizados para extorquir empresários locais. Além dos agentes da lei, também foram detidos três advogados e três funcionários comissionados da prefeitura. Estima-se que o grupo tenha acumulado cerca de R$ 10 milhões em propinas. Em uma decisão judicial, os veículos dos policiais civis envolvidos, totalizando 15 unidades, foram confiscados para posterior leilão, visando a restituição dos valores às vítimas.

Durante o período de um ano, compreendido entre 2022 e 2023, os promotores identificaram pelo menos dez empresários em Indaiatuba que foram vítimas do grupo criminoso liderado pelo delegado titular do 1º Distrito Policial (DP), José Clésio Silva de Oliveira Filho. Embora ainda não tenham sido detalhadas as responsabilidades individuais de cada membro do grupo, o promotor Paulo Guilherme Carolis Lúcio explicou que os investigadores e guardas municipais, por exemplo, eram encarregados de contatar as vítimas e identificar supostas irregularidades em seus estabelecimentos. Em seguida, levavam essas vítimas à delegacia para o registro do boletim de ocorrência, tarefa executada pelo escrivão.

Os funcionários comissionados e um fiscal tinham a responsabilidade de pressionar as vítimas a resolver rapidamente as questões judiciais na delegacia. Os advogados se inseriam no esquema criminoso para intermediar os pagamentos e até mesmo negociar a entrega de chaves de carros. Além disso, cobravam honorários sobre as propinas recebidas.

"As condutas dos advogados são variadas. Havia situações que advogados atuavam nos escritórios, mas outras situações que aconteciam dentro da delegacia, como a existência de uma sala onde é bem narrado na investigação, uma sala que nós chamamos 'de sala de extorsão', onde foi colocado drogas na mesa de uma vítima que estava algemada, com claros indicativos: olha, ou você aceita o acordo, ou essas substâncias ilícitas serão suas", explicou o promotor.

Operação envolveu 15 promotores de Justiça e 19 policiais civis (Divulgação)

Operação envolveu 15 promotores de Justiça e 19 policiais civis (Divulgação)

As investigações sobre o grupo tiveram início em dezembro do ano passado, quando uma das vítimas formalizou uma denúncia e apresentou evidências do esquema criminoso. Os promotores descobriram que as vítimas eram selecionadas com base em sua capacidade financeira, sendo geralmente empresários estabelecidos há décadas, como proprietários de supermercados, açougues, estacionamentos, lojas de roupas e têxteis. Eram pessoas com recursos para pagar propinas e cujos negócios, devido ao volume de mercadorias ou ao tipo de transações, poderiam suscitar preocupações quanto a possíveis intervenções policiais.

De acordo com os promotores, o grupo exigia propinas que variavam de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões. Em uma ocasião, um empresário teve cerca de R$ 300 mil apreendidos, e sua prisão foi decretada sob a alegação de posse de uma arma ilegal no local, embora, segundo Carolis, essa arma nunca tenha sido encontrada.

O empresário foi levado à delegacia e permaneceu detido por algumas horas, até que lhe foi solicitada uma propina no valor de R$ 3 milhões. Ele acabou pagando R$ 800 mil para evitar sua prisão e para que não fosse registrado um boletim de ocorrência, o qual justificaria a intervenção inicial, envolvendo uma busca e apreensão em sua residência. "Também foram relatados casos de policiais elaborando registros de ocorrências com datas retroativas após a atuação das equipes de investigação", acrescentou o promotor.

Outro episódio mencionado pelos promotores foi a subtração de 23 veículos de um estacionamento sem autorização judicial, seguido pela abertura de um inquérito policial posteriormente, como justificativa para exigir propina. "As vítimas, esses empresários, eram constantemente ameaçados com a perspectiva de prisão, investigações por lavagem de dinheiro ou por participação em organização criminosa, até que concordassem em pagar as propinas", ressaltou Carolis.

O grupo será investigado por uma série de crimes, incluindo organização criminosa, extorsão, roubo, furto e corrupção. No total, foram executados 17 mandados de busca e apreensão, bem como 13 mandados de prisão temporária com duração de 30 dias, em Indaiatuba e Itu.

O Ministério Público informou que tanto a residência do delegado quanto a sede do 1º Distrito Policial de Indaiatuba foram alvos de buscas e apreensões. Os policiais civis detidos foram encaminhados à corregedoria da Polícia Civil em Campinas, enquanto os demais foram levados ao 1º DP de Indaiatuba.

A operação contou com o apoio do 1º Batalhão de Ações Especiais da Polícia Militar (Baep), responsável por cumprir mandados de prisão, busca e apreensão em oito endereços distintos relacionados aos guardas municipais, fiscais, advogados e funcionários comissionados.

Segundo o comandante do Baep, major da PM Augusto José Martinelli, três dos investigados foram presos em flagrante por posse ilegal de armas e drogas em suas residências. Foram apreendidas duas pistolas, um revólver, um rifle, 150 munições de diversos calibres, 59 caixas de anabolizantes, R$ 5 mil em dinheiro e diversas porções de cocaína. Ao todo, a operação mobilizou 97 policiais militares, dois cães farejadores e 25 viaturas. Apesar de não terem ocorrido incidentes significativos, um dos alvos tentou fugir da abordagem, mas foi detido.

Com os policiais civis foram apreendidos veículos e documentos. A operação envolveu pelo menos 15 promotores de Justiça, dez servidores do Ministério Público e 19 policiais civis. O Ministério Público também solicitou o bloqueio de valores e o sequestro de bens que somam aproximadamente R$ 10 milhões.

O nome escolhido para a operação, "Chicago", evoca a atmosfera da cidade americana durante as décadas de 1920 e 1930, marcadas pelo domínio de gangsters que governavam com violência, desafiando a lei e amealhando fortunas por meio de atividades criminosas. O promotor público enfatizou que o cerne da questão é a integridade da atuação do Estado, da investigação e da aplicação da lei. Ele ressaltou que é fundamental que as autoridades encarregadas da investigação, repressão e prevenção de crimes ajam estritamente dentro dos limites legais, sem ultrapassá-los.

Em nota, a Prefeitura de Indaiatuba esclareceu que, até as 11h, ainda não havia sido oficialmente notificada sobre o caso. No entanto, em um gesto de cooperação com a operação conduzida pelo Gaeco, iniciou um procedimento administrativo e afastou os envolvidos de suas funções.

O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) enviou a seguinte nota sobre o caso: "neste momento, por não ter tido acesso às investigações, reserva-se a não emitir juízo de valor sobre o caso; reitera, ademais, que deposita confiança nas autoridades na condução das investigações." 

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