TECNOLOGIA CONTRA O CRIME

PF usa laboratórios do Sirius para combater tráfico de ouro

Amostras apreendidas são analisadas pela luz síncrotron, a mais avançada do mundo, para identificar se são provenientes de garimpo ilegal

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
13/04/2024 às 11:20.
Atualizado em 13/04/2024 às 11:20
Polícia Federal tem intensificado as ações contra o garimpo ilegal no Norte do Brasil; durante a operação ‘Pirâmide de Ouro’, há pouco mais de um mês, a PF e a Receita Federal desmantelaram uma quadrilha suspeita de movimentar mais de um R$ 1 bilhão em venda irregular de ouro (Divulgação/ PF)

Polícia Federal tem intensificado as ações contra o garimpo ilegal no Norte do Brasil; durante a operação ‘Pirâmide de Ouro’, há pouco mais de um mês, a PF e a Receita Federal desmantelaram uma quadrilha suspeita de movimentar mais de um R$ 1 bilhão em venda irregular de ouro (Divulgação/ PF)

A Polícia Federal (PF) usa os laboratórios de luz síncrotron do Sirius, instalado em Campinas, para combater o garimpo ilegal de ouro em terras indígenas brasileiras, um crime bilionário e que está ligado a outros delitos graves, como tráfico internacional, e com possível envolvimento de organização criminosa que também atua com drogas e armas. Amostras do metal precioso apreendido são submetidas a essa luz especial de quarta geração, a mais avançada do mundo, que permite penetrar a matéria e revelar características de sua estrutura molecular e atômica, gerando uma micro e nanotomografia computadorizada. O processo revela sua composição e permite identificar a sua origem.

O Instituto Escolhas, que sistematiza estudos sobre mineração e uso da terra, aponta que o garimpo ilegal responde por mais da metade (54%) da produção nacional de ouro. A estimativa é que entre 2015 e 2020, o total de ouro com indícios de ilegalidade comercializado no Brasil foi de 229 toneladas. Durante a operação “Pirâmide de Ouro”, há pouco mais de um mês, a PF e a Receita Federal desmantelaram uma quadrilha suspeita de movimentar mais de um R$ 1 bilhão em venda irregular de ouro. Ela retirava o ouro de garimpos ilegais, muitos localizados em terras indígenas ou áreas de preservação, nos Estados da Região Norte – Pará, Amazonas e Rondônia – e fazia tráfico internacional a partir de vários aeroportos, inclusive Viracopos, em Campinas.

De acordo com a Polícia Federal, o principal suspeito fez 27 viagens internacionais em 11 meses, saindo também de São Paulo, Curitiba (PR), Porto Velho (RO) e Manaus (AM). Para evitar suspeitas, a quantidade de ouro levada era cada vez menor e a quadrilha usava empresas “noteiras”, que forneciam notas fiscais falsas. O ouro também era “sujado”, um processo de diminuição do teor de pureza para ocultar a origem e também fazê-lo parecer legal. Um dos acusados é sócio de uma empresa que não tem nenhum funcionário, mas movimentou R$ 1,5 bilhão em 27 meses, entre junho de 2020 e setembro de 2022. 

COMO FUNCIONA 

O que a luz síncrotron faz é identificar todos os materiais presentes no ouro, o que permite fazer a sua rastreabilidade a partir da comparação com amostras de solo de referência e de outras pepitas suspeitas de origem ilícita, uma vez que a composição é diferente em cada região onde é garimpado. "Ouro é ouro, mas dependendo de onde ele foi formado, carrega impurezas de maneira distinta. O Sirius permite identificar e quantificar essas impurezas com precisão, gerando informações sobre o local onde o ouro foi formado. Este exemplo demonstra como um equipamento de última geração e a colaboração entre diferentes instituições podem apoiar a busca de soluções para problemas complexos, como é o caso do garimpo ilegal no Brasil”, disse o diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Antonio José Roque da Silva. O CNPEM é um complexo científico do qual os laboratórios de luz síncrotron fazem parte.

Os pesquisadores também trabalham para criar um sistema para permitir a identificação da origem do metal mesmo depois de passar por fundição e a fabricação de joias ou barras, que são seus principais usos. Atualmente, “uma vez que o ouro foi esquentado, a destinação desse ouro para a produção de uma joia, por exemplo, passa a ter ares de legalidade. Esse ouro, desde a origem, foi devidamente esquentado”, disse o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, delegado Humberto Freire de Barros.

O Brasil não tem um sistema eficiente que permita identificar a origem do ouro. No caso de uma suspeita de fraude, a Polícia Federal precisa checar uma a uma as informações indicadas nas notas fiscais e as lavras de onde o metal supostamente foi retirado, uma investigação difícil de produzir resultado.

Para tentar dificultar o garimpo ilegal, há um ano o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, por unanimidade, a eficácia da legislação que presumia a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica que o adquiriu. Ela permitia o comércio apenas com base nas informações dadas pelos vendedores do metal, sem a necessidade de apresentar comprovação.

A partir da suspensão, a Receita Federal passou a exigir notas fiscais eletrônicas nas transações de compra e venda de ouro por empresas que negociam o minério como ativo financeiro ou instrumento cambial. A medida buscava combater a fraude nas notas fiscais em papel, o que dificultava o rastreamento e o controle pelas autoridades. 

Novas regras para comercialização estão previstas em um projeto de lei do governo federal em tramitação no Congresso Nacional. De acordo com a proposta, a venda do ouro só poderá acontecer pelo detentor da autorização de lavra garimpeira cadastrado no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM). Além disso, será obrigatório que as instituições financeiras registrem todas as aquisições de ouro realizadas no território brasileiro junto ao órgão.

MUDANÇAS E CRIME ORGANIZADO

Para a gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues, o endurecimento ao comércio ilegal do ouro veio a partir da pressão dos importadores e consumidores internacionais que começou a surgir recentemente. Ela é coordenadora de um estudo que envolve vários órgãos nacionais que apresentou uma proposta de rastreio do ouro. Ela é baseada na tecnologia blockchain, que é uma sequência de registros digitais (blocks) conectados uns aos outros, formando uma corrente (chain). 

O recurso asseguraria que cada registro recebesse uma identificação única, que não pudesse ser alterada, o que garantiria a segurança das informações e, portanto, o rastreio. “Um sistema como esse, digital, de coordenação de órgãos, já existe para a madeira, para a carne, em certa medida. Ou seja, são coisas já aplicadas em outras cadeias, não é um esforço que o governo jamais fez”, afirmou Larissa Rodrigues.

O esforço visa combater o garimpo ilegal e o tráfico de ouro. A suspeita é que atualmente exista a participação do crime organizado nesses crimes. Em janeiro, a PF iniciou a investigação do envolvimento do Comando Vermelho (CV), maior facção do Rio de Janeiro e uma das maiores do país. A apuração teve início depois da prisão de seis pessoas envolvidas com a extração e venda irregular do metal no Amazonas, das quais quatro integram o grupo criminoso. 

A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) da PF iniciou a investigação com a prisão, em dezembro passado, de dois homens após um pouso de uma aeronave no Aeroclube do Amazonas, em Manaus, com 45 quilos de ouro, uma carga avaliada em R$ 14 milhões. O desdobramento da ação acarretou na prisão dos outros acusados.

A PF suspeita que o minério foi extraído ilegalmente na cidade de Itaituba (PA) e enviado para Manaus (AM) para ser exportado, mas foi interceptado. As linhas de investigação trabalham com a possibilidade de que a carga teria como destino países da Europa, como a Itália, e de outras localidades, como Estados Unidos e Emirados Árabes. 

O CV é uma das maiores organizações criminosas do Brasil. Surgido no final dos anos 1970, ele está envolvido com o tráfico de drogas e armas no Rio. A sua estrutura é composta por “donos do morro”, pessoas que comandam territórios específicos e conhecidas pelo uso de violência extrema. Segundo a polícia, a facção também atua em outros 12 Estados e no Distrito Federal.

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