CRISE NO ATENDIMENTO

Hospitais enfrentam lotação de leitos destinados ao SUS

Aumento de casos de dengue e doenças respiratórias sobrecarregam o sistema

Luis Eduardo de Sousa/ [email protected]
26/04/2024 às 09:02.
Atualizado em 26/04/2024 às 09:03
O cenário mais crítico é no Hospital Ouro Verde, onde todos os 207 leitos de enfermaria e 42 de UTI estão ocupados; na ala pediátrica, que conta com 15 leitos de UTI e 11 de enfermaria, há apenas uma vaga disponível (Alessandro Torres)

O cenário mais crítico é no Hospital Ouro Verde, onde todos os 207 leitos de enfermaria e 42 de UTI estão ocupados; na ala pediátrica, que conta com 15 leitos de UTI e 11 de enfermaria, há apenas uma vaga disponível (Alessandro Torres)

Campinas enfrenta uma situação crítica na saúde pública. Até quinta-feira (25), nenhum leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou enfermaria estava disponível nos cinco hospitais que atendem pelo SUS. Além disso, os prontossocorros estão sobrecarregados devido ao aumento de casos de dengue e doenças respiratórias.

Os hospitais PUC-Campinas e Beneficência Portuguesa, ambos conveniados, operam com capacidade máxima, assim como o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, gerenciado pelo Estado.

A situação é especialmente grave nas unidades da Rede Mário Gatti, que administra os hospitais Mário Gatti, Ouro Verde e Mário Gattinho, os quais atendem o maior número de casos de dengue e doenças respiratórias, como gripe e covid-19. Nesse contexto, Campinas pode enfrentar hoje sua maior epidemia de dengue da história, superando 2015, quando foram registrados 65.754 casos em 12 meses.

Apesar da superlotação, a Rede Mário Gatti afirmou em nota que "nenhum paciente necessitado de internação está desassistido". Com a aproximação da estação seca, a situação pode piorar, pois os casos de doenças respiratórias tendem a aumentar nesta época do ano. 

SITUAÇÃO

Todos os hospitais contatados pela reportagem confirmaram que estão operando com sua capacidade máxima. No entanto, as unidades que atendem casos de alta complexidade afirmam estar acostumadas a essa situação.

O Hospital da PUC-Campinas, por exemplo, conta com 207 leitos para atendimento SUS, sendo 42 de UTI. Embora todos estejam ocupados, a maioria das internações é decorrente de doenças crônicas agudizadas, como acidente vascular cerebral (AVC), infarto do miocárdio e traumas em geral, segundo a assessoria de imprensa. Esses casos, apesar de complexos, impactam menos os pronto-socorros.

De forma semelhante, o Hospital de Clínicas tem alta rotatividade e atende a grande parte dos casos de traumas e doenças crônicas em Campinas e em outras cidades da região. A unidade conta com mais de 400 leitos, mas a demanda é alta.

O pronto-socorro do Beneficência Portuguesa está enfrentando uma alta demanda devido aos casos de dengue, mas a maioria dos pacientes não precisa ser internada.

O cenário mais crítico é no Hospital Ouro Verde, onde todos os 207 leitos de enfermaria e 42 de UTI estão ocupados. Na ala pediátrica, que conta com 15 leitos de UTI e 11 de enfermaria, há apenas uma vaga disponível. A administração do hospital ressalta que as internações não estão relacionadas à dengue, mas sim a outras patologias. No entanto, a sobrecarga pode piorar nas próximas semanas devido ao aumento das doenças respiratórias, resultando em mais internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG).

Na quinta-feira (25), a reportagem do Correio Popular visitou o pronto-socorro da unidade e ouviu de diversos pacientes que o tempo de espera pelo atendimento estava longo.

A jovem Rebeca Silva, de 24 anos, acompanhava sua tia, de 45, diagnosticada com dengue. Elas chegaram ao hospital às 10h e, até às 16h, ainda não haviam sido atendidas. Rebeca relatou que sua mãe foi diagnosticada com dengue hemorrágica, mas teve a internação negada devido à falta de leitos.

"Em casa, todos pegaram dengue. Minha mãe foi atendida no domingo após esperar 10 horas e foi diagnosticada com dengue hemorrágica, mas não havia leitos disponíveis, então foi mandada para casa com medicação e soro. Meu avô, de 84 anos, também diagnosticado com dengue, enfrentou dificuldades para ser atendido. Agora estamos esperando para ver se minha tia será atendida", contou.

A técnica em enfermagem Adicléia Goulart, de 38 anos, aguardava na recepção do hospital há 30 minutos. Tanto ela quanto seu filho, de 12 anos, apresentavam sintomas de dengue e foram informados de que a espera seria em torno de oito horas. Ela teria que esperar por seu atendimento antes de passar pelo filho ou vice-versa.

"Está lotado e, considerando o atendimento de nós dois, posso acabar ficando aqui por 16 horas. Todos estão muito cansados dessa situação", declarou a moradora do Jardim Campina Grande.

Pacientes aguardam por exames para receber alta, com relatos de espera desde o dia anterior.

No Hospital Mário Gatti, todos os 20 leitos de UTI e 146 de enfermaria estão ocupados. No pronto-socorro, os usuários reclamam de longas esperas.

"Estou aqui há seis horas e só passei pela triagem. Estou morrendo de dor e não acredito que sairei daqui antes das 22h. Ninguém nos fala nada, não há nenhuma previsão, o jeito é esperar", disse Maria José França de Oliveira, 66 anos.

Aparecida Santos, 59 anos, empregada doméstica, esperava há quatro horas com dor estomacal, tendo passado apenas pela triagem. "É difícil expressar um sentimento, é uma sensação de impotência mesmo. Muita gente para poucos profissionais, parece que faltam insumos, equipamentos, não sei, é triste", expressou.

A Rede Mário Gatti declarou em nota que, apesar da alta demanda, todos os pacientes recebem atendimento. "Nenhum paciente que necessite de internação está desassistido. Enquanto esperam pela liberação de leitos, aguardam na retaguarda dos hospitais e recebem o tratamento necessário. Embora a epidemia de dengue e a sazonalidade das doenças respiratórias venham gerando aumento de demanda nas unidades de urgência e emergência da Rede Mário Gatti, a dengue não é a causa da pressão nas internações, porque a maioria é de casos leves. Neste ano, em Campinas, apenas 2,5% que contraíram a doença necessitam de hospitalização", disse em nota. "A maioria dos internados na Rede Mário Gatti é de pacientes com diversas patologias, infartos, AVC e traumas (especialmente acidentes de trânsito)", complementou.

Nas crianças, as internações ocorrem principalmente por doenças respiratórias, conforme a Rede. A Unidade Pediátrica Mário Gattinho conta com apenas um leito livre entre os 31 de enfermaria. Todos os 14 de UTI estão ocupados.

RECORDE

Campinas pode chegar à sua maior epidemia de dengue da história. Até quinta-feira (25), o painel de arboviroses do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa) apontava 64,2 mil diagnósticos da doença. Se as confirmações do dia de hoje elevarem o índice para mais de 65,7 mil casos, a epidemia passa a ser a pior da história da cidade.

Até quinta-feira (25), 14 óbitos pela doença haviam sido confirmados. Destaca-se ainda o fato de que o recorde será quebrado no quarto mês do ano. Geralmente, o pico da doença ocorre entre o fim de abril e o mês de maio, de maneira que a própria Administração trabalha com a possibilidade de chegar à marca dos 100 mil casos.

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