REDE PÚBLICA DE SAÚDE

Campinas atende sete pessoas por dia vítimas de ataques de cães

Dados da Secretaria de Saúde mostram aumento de 21,9% em 2023 na comparação com o ano anterior; média diária deste ano é de 6,3 atendimentos

Luis Eduardo de Sousa/ [email protected]
27/04/2024 às 15:29.
Atualizado em 27/04/2024 às 15:36
Ana e Antônio Guedes (foto) preferem evitar a responsabilidade de ter um cachorro de grande porte; professora de medicina veterinária, Marta Luppi destaca que o dono é responsável pelo seu pet: ‘é preciso pensar na responsabilidade do tutor que se propõe a ter um cão’ (Rodrigo Zanotto)

Ana e Antônio Guedes (foto) preferem evitar a responsabilidade de ter um cachorro de grande porte; professora de medicina veterinária, Marta Luppi destaca que o dono é responsável pelo seu pet: ‘é preciso pensar na responsabilidade do tutor que se propõe a ter um cão’ (Rodrigo Zanotto)

Campinas atendeu sete pessoas por dia vítimas de ataques por cães no ano passado, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde. Foram 2.620 registros, indicando aumento de 21,9% em relação a 2022, quando a soma total de atendimentos foi de 2.141. Os números levam em conta apenas notificações na rede pública de saúde do município. Em 2024, entre janeiro e março, os atendimentos por ataque canino já chegaram a 572 notificações, média de 6,3 casos diários e similar aos registros obtidos em igual período de 2023, que teve 571 notificações.

Os dados foram solicitados pelo Correio Popular em um cenário de aumento das ocorrências tanto no Estado quanto no país. Recentemente, o ataque à escritora Roseana Murray, de 73 anos, levantou a discussão sobre a responsabilidade dos tutores em casos similares. Murray foi vítima de três pitbulls e teve o braço direito amputado em razão da profundidade dos ferimentos. No último dia 14, Hugo Otávio Tobias, tutor de um pitbull, morreu após ser atacado pelo cão em Mogi Mirim, durante um ataque epiléptico. Um Guarda Municipal da cidade chegou a tirar o animal de cima da vítima, mas o cão passou a atacar outras pessoas, levando o agente a atirar contra ele para o conter.

Ainda de acordo com a Saúde, a maioria dos ataques ocorre dentro de casa, contra visitantes e os próprios donos da residência. Em 2023, por exemplo, 2.332 ataques se enquadram nesse perfil, sendo apenas 288 referentes a acidentes com cães desconhecidos. Já em 2022, as mordeduras em casa somaram 1.867 casos. Outros 281 ataques partiram de animais desconhecidos. A maior parte das vítimas é adulta.

RESPONSABILIDADES

O empresário Juan Carlos Alvarez, de 46 anos, é dono do Conam, um american bully de 5 anos. O cão, que lembra um pitbull, é o guarda do estacionamento de Alvarez, localizado na Vila Industrial. Considerado um cão de grande porte, uma vez que pode atingir os 60 kg, a raça é proibida no Reino Unido por causa das suas características físicas, mas o dono assegura que Conam é um animal dócil e sociável em razão de ter sido criado em um espaço que promove a interação com fluxo de pessoas. “Entendo que o comportamento do cão varia muito do cuidado que o dono dispensa a ele. Se o cão for criado preso, isolado, é certo que vai se tornar um cão anti-social. Porém, se for socializado desde cedo é muito difícil que se torne agressivo. Meu cachorro é super dócil com crianças, com os funcionários, não é de avançar em outros cães. Agora, se o dono não passeia com seu animal, não promove interação, não cuida corretamente, é natural que o cachorro fique estressado e agressivo.” Alvarez conta que o cão se torna um evento por onde passeia e atrai crianças e adultos, que se aproximam para brincar, sempre sendo recebidos de forma carinhosa. O empresário, no entanto, assume não colocar focinheira no animal. Ele alega que é uma forma de defender o próprio pet, muitas vezes alvo de outros cães nos passeios pela rua. “Se saio com ele de focinheira e sofremos um ataque, qual o meio ele terá para se defender? Uma boa corrente que segure o cachorro é o suficiente.” De opinião similar é o casal Ana e Antônio Guedes, de 59 e 65 anos, donos do Boo e do Jojo. Os pets têm, respectivamente, 11 e 12 anos, ambos sem raça definida. O casal já sofreu um ataque enquanto passeava com os cães, motivo pelo qual adotou certos cuidados durante as saídas. Ambos avaliam, no entanto, que o comportamento do animal é fruto do cuidado do dono. “A responsabilidade pelo animal é sempre do dono. Tanto pelo comportamento que ele tem, que deriva da criação, quanto por aquilo que ele vai fazer fora de casa. O cão não tem culpa de nada, e cabe a cada tutor ter dimensão do que o animal dele é capaz e agir de forma a garantir a segurança daqueles que estão ao seu redor”, avalia Ana.

Antônio concorda com a visão da esposa. Ele conta que, por esse motivo, prefere não ter cães de guarda, como os da raças pitbull e rottweiler. “Ter um cão forte é uma responsabilidade muito grande. Qualquer falha pode torná-lo um cão sensível e gerar um animal que é um risco a terceiros. Nós conhecemos pessoas que têm pit bulls que são super dóceis, mas preferimos não ter e evitar assumir essa responsabilidade.” 

De acordo com a professora de medicina veterinária da PUC-Campinas, Marta Luppi, o comportamento do cão será sempre uma junção de variáveis que precisam ser atentamente compreendidas pelos donos. “É preciso pensar na responsabilidade do tutor que se propõe a ter um cão. Ele precisa saber que a responsabilidade pelos atos do animal é dele. O dono precisa, portanto, fazer com o que o animal não ataque os indivíduos ao seu redor, socializando o cão nos primeiros quatro meses de vida.”

De acordo com a especialista, ainda nos primeiros 120 dias de vida os animais precisam ser submetidos a diferentes ambientes, com pessoas, veículos, barulho, cheiros variados, outros animais e outros cães, inclusive. Dessa forma, o animal se livra de inseguranças que possam virar problemas na fase adulta. “Se isso não ocorre, quando adulto o animal pode ter traumas que se estimulados vão o levar a um ataque. Para o caso de quem já adota um animal adulto, é importante o submeter ao crivo de um adestrador, que vai justamente identificar esses traumas e tratá-los.”

A veterinária conta que é comum que algumas raças consideradas de guarda sejam mais aptas ao ataque, porém a aptidão não necessariamente vai se converter em uma atitude. “Os cães de guarda são treinados para guardar, então quando algum ladrão, por exemplo, entra no seu espaço, ele precisa cumprir seu papel. O que não pode é ele promover o ataque contra indivíduos em situação pacífica, como um pedestre que caminha pela rua.”

De acordo com Luppi, nem todos os animais dão sinais quando estão prestes a atacar, motivo que exige atenção dos tutores e pessoas que se aproximam.

NACIONAL

O Brasil experimentou um crescimento de 27% nas mortes causadas por mordidas ou golpes provocados por cães entre 2022 e 2023. Foram 51 vítimas no ano passado e 40 no ano anterior. Os dados são do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Em 2020 e 2021, foram listadas 32 e 33 mortes, respectivamente. São Paulo encabeça a lista de óbitos por ataques de cães nos últimos quatro anos, com 38 casos, seguido pelo Rio Grande do Sul (18), Rio de Janeiro (12), Minas Gerais (12) e Pará (11). Luppi adverte que pessoas pouco instruídas sobre o comportamento das raças e a maneira correta de socialização contribuem para o aumento, uma vez que são donos de cães de guarda e não os educam corretamente.

O QUE FAZER

A coordenadora da Unidade de Vigilância em Zoonoses de Campinas, Marcela do Prado Coelho, alerta que em caso de ataque a vítima precisa procurar atendimento médico imediatamente, ainda que o ferimento não seja tão grave. “O mais importante é procurar um posto de saúde, uma UPA, um hospital particular, qualquer unidade que ofereça um primeiro atendimento. Será feita uma avaliação de como está a ferida, do que aconteceu, de qual animal mordeu, qual parte do corpo está o ferimento. A partir dessas informações, é possível orientar a pessoa sobre a necessidade ou não de ser encaminhada para a vacinação ou soro”, conclui Marcela.

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